As pessoas deviam ter mais de uma vida ou, pelo menos, uma que pudesse também voltar atrás se necessário. Para corrigir o que saiu mal à primeira, aprender a saborear as poucas horas boas - tal como uma canção que quanto mais se houve mais se gosta - e, sobretudo, para poder ir primeiro por um lado e depois por outro e depois, sim, seguir pelo caminho encontrado. Porque assim não dá. O que acontece não pára de nos acontecer e estamos confusos e ficamos perplexos com a vida que levamos e nos faz tanta falta.
Para mais com a crescente dificuldade em a reconhecermos como nossa, se é igualmente a dos outros, tão próximos e distantes, com ela misturados desde o começo.
A minha vida, será que eu não sei o que seja? Mesmo nada? Tenho um belo piano de cauda. Já soube, outrora, demonstrar o tão exacto teorema de Pitágoras. Mas estarei sossegado, se não feliz, no dia em que os dias se esgotarem? Se só sabendo o fim é que se sabe a história.
Engraçado é que, quando se começa a falar daquilo que não se sabe, surge a ilusão generosa de que afinal sempre se vai sabendo um bocadinho. Um bocadinho que sabe a pior que nada. Nisto, como em tudo, talvez me engane. Bem gostava.
Não duvido que dois mais dois sejam quatro, que a galáxia tenha dez milhões de estrelas, que a baleia azul seja um belo mamífero mergulhado na água, e não, como eu, perdido.
Que tenho eu ver com isto? Nada?
E eu a tentar dizê-lo, feito parvo muito inteligente. As pessoas deviam ter mais cuidado. Com o que dizem, com o que fazem. Se bem que se tiverem demasiado cuidado não dizem nem fazem nada. As pessoas deviam ser mais pessoas, embora não me convenha perguntar agora o que quero precisamente dizer com isto.
As pessoas deviam estar mais juntas e mais afastadas, consoante os casos, as horas e os sítios.
As pessoas deviam ter mais respeito pelo que não lhes diz respeito.
Só deviam ver televisão em casa dos vizinhos.
Dito isto, a minha vida, as nossas vidas neste momento abraçadas, largam um suspiro que alguém ouve do outro lado.
Pedro Paixão, in 'Viver Todos os Dias Cansa'
Pedro Paixão, in 'Viver Todos os Dias Cansa'
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