quarta-feira, 8 de julho de 2009

O obsceno

O obsceno - Isabel leal

Já aconteceu a quase toda a gente. Viver um grande amor escaldante, um romance breve, ou nem por isso, em que a alma saía pela boca, o coração aguentava a galope como se a taquicardia fosse ritmo certo e o outro fosse o ser perfeito que convinha ao desejo, ao presente ao futuro. Já quase toda a gente viveu uma historia em que, de repente ou lentamente, as defesas caíram, os medos e as dúvidas desapareceram e, vindo de algum lado, algures, abaixo do nível da consciência, se ganhou a certeza, a convicção de que afinal os amores míticos podem ser reais e se ancorou tranquilo como se fosse para ser para sempre.

Já muitos, talvez não quase todos, mas ainda assim alguns, experimentaram a sensação que, mesmo não vivendo a grande paixão, não partindo à desfilada nos braços de qualquer Cupido voador, se tinha chegado à relação definitiva em que a paz, a segurança, uma desejável harmonia e um bem estar feito de pequenas coisas garantiam o porto de abrigo saboroso, que permitia viver todos os dias com a sensação de ter as costas sempre quentes, um lar de regresso e de retorno, uma rede de apoio inquebrável para aparar todas as quedas e dissabores. Nas suas diversas versões, muitos de nós já sentiram que eram definitivamente amados, incondicionalmente aceites, que viviam relações em que o outro, por mais que acontecesse, estaria sempre lá. Algumas vezes até, esta escolha relacional para a vida inteira fez-se abaixo das expectativas iniciais.
Ficar com ele ou com ela foi, nestes casos, determinado pela ideia de que o outro “me ama muito”, “é estável e fiável”, e mesmo não sendo a criatura sonhada, permitia seguranças únicas e certezas definitivas.

Nas suas diversas versões, do grande amor à aposta segura, o facto é que nada garante coisa nenhuma e tantas vezes se verifica que, um dia, o outro que dava tantas garantias, afinal desiste, abandona, muda de opinião e, por boas ou más razões vai-se embora.

Se é sempre mau perder o objecto amado, quando a convicção subjectiva da posse invadiu a vida e a relação, pior ainda.

Não só não se perdoa ao outro o abandono como não se arranja mecanismos de compreensão e, muito mais grave, fica-se num impasse de sofrimento, em que se recusa a aceitação de uma perda que é imposta. O outro não existe, não tem o direito, nem pode fazer o que faz, e a negação instala-se como forma de vida.

O triste, absolutamente triste, de tudo isto é que o amante abandonado na sua recusa de aceitação, torna-se um ser indescritível. Ameaça, rebaixa-se, persegue, chora, impõe-se, suplica, diz mal, diz bem, diz que mata, diz que morre, chantageia, pede perdão. Perde o tino e o norte, incapaz de compreender que o amor indesejado se transforma num indizível obsceno.

2 comentários:

Fernanda disse...

E aqui,... neste teu mad,...lê-se o que todos queremos dizer,...o que todos durante a nossa vida sentimos e vamos sentindo.
É bom,...bom demais o que tu aqui pões e nos dás a ler.
Reflectimos,...aprendemos,...e sobretudo,... ajuda-nos a pensar positivo.
:)
Gosto disto aqui!...:))

Um abraço sem mar

wind disse...

Pois...
Boa música.
Beijos