terça-feira, 16 de junho de 2009

Argumento do Medo

O medo faz parte da condição humana, todos temos medo.
Começamos por ter medo do escuro e a este vão-se acrescentando muitos outros: medo da solidão, das palavras, de pensar, de não ser amado, do poder, de dizer não, de não ser bom pai/mãe, da doença, de ser solidário com um amigo quando isso implica um comprometimento público e o mais radical de todos os medos – a morte!
Saber que o medo faz parte de nós não significa que nos habituemos a ele, que deixemos que ele invada a nossa vida, faça parte de nós como um apêndice com o qual nos habituamos a viver.
Parece-me que a única forma de lhe sobreviver é tentar encará-lo de frente, não deixar que ele me vença, me controle o mais simples dos actos quotidianos porque o medo, em última análise, limita a minha liberdade de acção e sendo um sentimento “contagioso” – se sinto os outros com medo, passo também eu a ter medo – limita gradualmente a liberdade de todos os que me rodeiam.
Poucos foram os exemplos de homens/mulheres que ao longo da história enfrentaram sozinhos todos os outros. Certos das suas convicções, não tiveram Medo de as divulgar mesmo sabendo que isso poderia significar a exclusão social, o ridículo, a morte.
Sabemos o que isso significou para Sócrates, Galileu, Darwin, mas com eles aprendemos que o mundo pode ser visto de um outro prisma que não aquele a que estamos habituados e não precisamos de ter medo disso.
Também durante demasiado tempo, no nosso país, vivemos sobre o signo do medo. Muitos tiveram medo, durante longos anos, tanto tempo que quase deixámos que fizesse parte de nós. Vivíamos sem poder reclamar, contestar ou reivindicar, direitos básicos como liberdade de expressão, de escolha partidária, de ver filmes e ler livros por nós escolhidos ou, simplesmente, expressar um pensamento contrário à ideologia reinante.
Os homens que na madrugada de Abril avançaram sobre Lisboa moveram-se contra o medo reinante, abrindo as portas à Liberdade e todos nós acreditámos que nunca mais iríamos ter medo de falar, de pensar, de assinar o nome numa folha que é um manifesto de contestação contra algo que não concordamos.
Porque sabemos que a liberdade nunca é um dado adquirido mas um processo em construção, nunca poderemos estar seguros de que a conquistámos, mas teremos, de forma firme e continuada, de lutar por ela que é também uma forma de lutar contra o medo. Sabemos ainda que nessa luta, a união, o não nos sentirmos sozinhos, a força da solidariedade, dá-nos o pano de fundo essencial para enfrentar este medo em concreto.
Usar o argumento do medo para não assumir compromissos anteriormente defendidos é escolher o mais fácil, é adiar o problema para que outros o resolvam, é escudar-se num sistema perverso em que espero que outros apareçam em madrugadas de Abril para resolver o problema. O problema é que a História dificilmente se repete e “dos fracos não reza a História”!
Podemo-nos calar perante os outros, refugiando-nos no argumento do medo, mas há certamente um medo que dificilmente calaremos – o medo de trair a nossa própria consciência e a essa não há forma de fugirmos pois, sendo com ela que nos deitamos, é a nossa mais cruel amante!!!

Isabel Maria Rodrigues da Cruz
Professora de Filosofia
Escola Secundária de Albufeira

1 comentário:

wind disse...

Excelente texto!
Beijos