Atendo. Primeiro, ouço o teu silêncio; depois, uma inesperada mistura de soluço, gemido, lamento; finalmente a tua voz: desculpa. Não respondo; limito-me a perscrutar o silêncio, opressivo e acusador, triste, solitário; e aguardar, certo de que uma explicação acabará por surgir, inesperada e definitiva. Por fim, a voz (mas será mesmo a tua?) repetindo-se: desculpa; pausa, respiração ruidosa e irregular. Depois: não consigo continuar. Hesitação, disfarçada de soluço. Não quero continuar. E eu a olhar para onde? A pensar o quê? Ouvindo e aceitando, incrédulo. A voz arrastando-se num murmúrio distante e vazio, frágil: tenho que fugir disto. (Disto? O que é isto?) Mudar, recomeçar. Contrariar este destino. Percebes? (Não.) Eu a apertar o telemóvel contra o ouvido e tu a dizer (ou eu a imaginar-te dizer, talvez): estou farta desta nossa relação, desta vida, desta monotonia, desta lamúria, deste nosso fado. Pausa e suspiro, bocejo (bocejo?). Mesmo cansada deste nosso fado, sabes? Apetece-me tanto outra coisa qualquer. Algo novo. Diferente. Sei lá: música de dança. Mais uma pausa; e um sorriso: será que ouvi mesmo um sorriso? Sim, é isso: chega de fado. Agora, quero música de dança na minha vida. Techno, ou assim. E desliga.
Paulo Kellerman visto na Minguante